O CEGO DE JERICÓ



25/10/2009 - 21º Domingo depois de Pentecostes
São Marcos 10: 46-52


A cegueira tem um forte significado simbólico na Bíblia. Pode significar não só a incapacidade de compreender, como também resistência ou repulsa para compreender a ação de Deus, o que equivale à rebeldia. Jeremias, quando fala do povo insensato e rebelde, diz que eles “têm olhos mas não vêem, tem ouvidos, mas não ouvem” (Jr 5.20-23). Na maioria das vezes em que os evangelhos relatam encontros de Jesus com cegos, há uma mensagem mais profunda, que indica a libertação da ideologia dominante que leva ao comodismo (ver também João 9).

No relato de Marcos, desde o capítulo 9 os discípulos discutem sobre quem seria o maior. Essa discussão se estende no cap. 10 com o pedido de Tiago e João (evangelho do domingo passado). O fato de o episódio do encontro com esse cego em Jericó vir logo na seqüência do ensinamento de Jesus a respeito do caráter do seu messianismo (“O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos”) pode indicar uma forte relação de continuidade na narrativa. Mateus e Camacho observam um forte paralelo com a perícope anterior da ambição de poder por parte de Tiago e João. Ambos pediram para “sentar-se” ao lado de Jesus; o cego está “sentado”. Ambos esperavam uma recompensa no “dia de tua glória” (10.37), uma espécie de medalha de honra ao mérito ou serviços prestados outorgada pelo Messias triunfante aos seus colaboradores. O cego tem a mesma ideologia, pois dirige-se a Jesus como “Filho de Davi” (que no evangelho de Marcos denota a ideologia do Messias poderoso, e não a do “Messias, Filho de Deus” (1.1). Além disso, a pergunta de Jesus em ambos os casos é idêntica: “Que quereis que eu vos faça?”(10.36) e “Que queres que eu te faça?” (10.51).


Mateus e Camacho lembram também de um detalhe: o lugar onde o cego está sentado: “à beira do caminho” – expressão utilizada por Jesus na parábola do semeador para designar os que recebem a mensagem, mas cuja atitude interior a neutraliza (4.3,15). Concluem, assim, que o cego é alguém em quem a ideologia e a ambição do poder impedem que a mensagem de Jesus se enraíze nele, ou seja, o cego é figura representativa dos discípulos “que não se haviam desprendido de seu ideal de Messias triunfador e que a ambição de poder impedira de assimilar a mensagem de Jesus” (J. Mateos e F. Camacho, Evangelho – figuras e símbolos, p.94-95).

Essa é uma das possibilidades interpretativas da perícope de hoje. Mas é claro que a hermenêutica nos oferece outras possibilidades, desde que não percamos de vista alguns pontos básicos:

1. o que representa a cegueira ontem e hoje;


2. a postura do cego (“sentado à beira do caminho” – imóvel, “vendo a banda passar”);


3. a situação social do cego (“mendigando” sugere falta de opções de trabalho e cidadania e também dependência total de outros;


4. a esperança de libertação depositada pelo cego em Jesus e sua insistência em receber dele a “visão”, a despeito de todas os impedimentos que outros colocaram (“muitos o repreendiam para que se calasse”);


5. o pedido do cego – “ver novamente”, o que indica que aquela cegueira não era seu estado natural, não era cego de nascença, mas que foi cegueira adquirida na vida ou pela ação da sociedade (pode-se enfatizar também a riqueza de significados do verbo “ver” na Bíblia – que lembra, entre outras coisas, capacidade de discernimento para compreender as contradições sociais e a ação libertadora de Deus);


6. a ação libertadora de Jesus restituindo a vista ao cego;


7. e, finalmente, o fato de que essa bênção libertadora, trouxe ao cego mobilidade e compromisso de inserir-se também no movimento libertador de Jesus (“seguia-o no caminho”). Com essas observações em mente e o acréscimo da criatividade e inspiração do Espírito Santo, o/a pregador/a ou catequista poderá comentar o texto de modo a causar bastante impacto e compromisso naquelas pessoas a quem estiver ministrando a Palavra de Deus. (CEBC).



Texto extraído do site: www.revjbs.com.br

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